Estiagem no Ceará
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O Ceará registra, em 2013, número
elevado de casos de doenças diarreicas agudas. Municípios tiveram surtos
do problema que pode estar relacionado à qualidade da (pouca) água que
chega à população
Foi com um litro d’água, três punhados de açúcar e
três pitadas de sal que dona Elza Vieira da Silva, 75, livrou a família
do mal-estar no início do ano. Os Vieira tiveram dor de barriga,
diarreia, febre. Não teve filho, neto ou sobrinho livre do problema. O
soro caseiro e os chás preparados com esmero pela antiga agente de saúde
da comunidade de São Gonçalo, em Choró (Sertão Central), foram a
salvação.
No fim do ano passado, uma criança menor de
um ano morreu por causa da diarreia em São Gonçalo. A família deixou a
região. A causa dos problemas de saúde, defende a matriarca, é a
quentura destes tempos sem chuva. “É esta seca verde”. Como seca não vê
limites e já deixou 178 dos 184 municípios cearenses em situação de
emergência, doenças relacionadas à estiagem são comuns.
Segundo nota da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), a estiagem é
“relevante” na ocorrência de doenças diarreicas agudas (DDAs). No Ceará,
até junho, foram confirmados 168.299 casos. Não há informação de
óbitos, mas 14 municípios somaram 77 surtos. Ressalva-se que esses são
os casos que chegaram à rede de assistência e foram oficialmente
notificados. Porque muitos (como os Vieira) tratam a diarreia com
medidas caseiras. Em todo 2012, tinham sido 115.014 confirmações de DDA
no Ceará.
O documento da Sesa indica ainda que o
quadro atual “contraria” a situação dos últimos 13 anos, quando o
problema aparecia no período de chuva. Choró, na Região dos Inhamuns,
teve surtos porque muitas famílias consumiram água sem qualquer
tratamento, indica a coordenadora de vigilância epidemiológica da
cidade, Juliana Nunes. Quando choveu, muitos consumiram a primeira água a
entrar na cisterna - o que não é indicado, já que, com ela, vem a
sujeira acumulada no telhado da casa. A situação repercutiu no hospital
da cidade. Em uma semana, chegaram a ser registrados 75 casos de DDA.
Foram 11 surtos no município.
Alguns cacimbões da
comunidade de São Gonçalo ainda têm água, mas o nível baixo preocupa o
filho de dona Elza, o agricultor Mauro Vieira, 54. “A água ta fazendo
medo a gente. Se secar, da onde vai tirar?”. Apesar de escura e habitada
por sapos, é do cacimbão que muitos moradores tiram a água de beber.
“Tira e só faz coar”.
Coar também é o único cuidado
que a agricultora Maria Isabel Moreira, 41, tem com a água que ela e os
12 filhos bebem. É tirar a água do rio Curu, que passa bem perto da
comunidade Pantanal, em São Luís do Curu (Litoral Oeste), colocar um
pano cobrindo a boca do pote e despejar a água. Com o pano, crê Maria
Isabel, filtram-se “os micróbios” e pode-se beber. O pano, para ela,
“tira” o que é deixado no rio pelas lavagens (de roupa a bicho).
“Minha filha de 6 anos é doente do rio, por causa dessa água”,
reconhece Maria Isabel. Genice, ela comenta, tem 6 anos e 15 quilos -
peso de crianças de cerca de dois anos. Mas destinar R$ 3,50 para
comprar água mineral, como fazem alguns vizinhos, é impensável para a
agricultora. E botar cloro na água do pote não é hábito por ali. “O
gosto fica ruim”, cita a mãe.
A água que seria ideal
para a artesã Francisca Pereira da Silva, 53, é a da chuva. Mas neste
ano ela foi escassa no distrito de Holanda, em Tamboril. Com a
“quentura” e a “trocação de água” (“bebe água da chuva num dia e em
seguida outra água”, explica dona Francisca), deu dor de barriga em
todos os moradores. “Foi uma epidemia”, define a agricultora Francisca
Azevedo, 25. O sonho da Francisca artesã é, um dia, não depender mais de
cacimbão ou pipa e garantir água boa. Seria o fim de micoses, dores de
barriga, doenças. “Se tivesse... Como a gente queria!”, sorri.
ENTENDA A NOTÍCIA
Ceará vive a pior estiagem em 50 anos. Açudes estão secos, plantações
sem vida. A falta de água de qualidade e o tempo quente afetam o
bem-estar do sertanejo. Em seis meses, 2013 registrou mais casos de
diarreia que todo 2012.
Fonte: Jornal OPovo - 12/08/2013
Fonte: Jornal OPovo - 12/08/2013
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