Dentre os grandes desafios atuais da aceleradíssima
transformação tecnológica por que passa a humanidade, envolvendo
crianças, jovens e adultos, num frenético processo de experimentação e
convivência com novidades tecnológicas que parecem sem limites, nos
deparamos com um paradigma essencial: como ter vida longa e saudável?
Em recente artigo publicado no Correio Brasiliense sobre
'demografia, tecnologia e o futuro do trabalho', de autoria do atual
Presidente da Embrapa, Maurício Antônio Lopes, são reforçadas as
previsões de que, até 2020, mais de 6 bilhões de pessoas estarão
conectadas por telefones celulares e bilhões de máquinas com sensores
estarão monitorando e controlando desde cortadores de grama até tratores
e motores a jato. O texto destaca como preocupação central o futuro da
agricultura e a produção de alimentos, citando o estudo Visão 2014-2034:
o futuro do desenvolvimento tecnológico da agricultura brasileira, da
Embrapa, apontando que o envelhecimento e a contínua migração para as
cidades reduzem de forma drástica o número de trabalhadores no campo,
concluindo que a automação, digitalização e processos de precisão se
tornam essenciais neste setor vital para o futuro da humanidade, com
ganhos de produtividade, qualidade, segurança dos produtos e redução do
trabalho penoso e insalubre.
Em que pese as conclusões e projeções sobre o futuro da humanidade,
é importante observar que as inovações tecnológicas, com todo avanço,
estão à serviço da concentração de renda e benefícios para uma minoria,
sendo este o seu principal objetivo. E, não é de se estranhar que há um
censo comum de que as inovações tecnológicas devam estar à serviço da
melhoria das condições de vida (...)’, ou, que ‘os centros urbanos estão
se tornando verdadeiros laboratórios de inovação, reinventando nosso
estilo de viver' (M. Lopes). No entanto, todas essas visões, também, são
produtos das inovações tecnológicas, que tem na informação seu
principal trunfo de convencimento.
Um exemplo prático dos resultados da mais elevada inovação
tecnológica se dá na produção de commodities agrícolas, revelando um
quadro que merece muita atenção: ‘cerca de 80% da produção mundial de
soja, 70% da produção mundial de milho e 70% da produção mundial de
aveia são destinadas ao consumo animal. No Brasil, cerca de 70% da soja
produzida (incluindo a parte exportada) e 80% do milho cultivado
(incluindo o que é exportado) é para ração animal. Além disso, grande
parcela de outros alimentos altamente nutritivos também é usada para
alimentar o gado, como a aveia, o arroz e o trigo’ (Onca - abril/2013).
Reafirmando o dito anteriormente, não é por acaso que aqui se concentra a
pesquisa agropecuária. Tudo combinado com as grandes redes de
comunicação de massa que veiculam como estratégico para o Brasil os
recordes de produção e exportação de grãos, confundindo a cabeça dos
consumidores, que sequer tem noção de onde vem os produtos da
alimentação que coloca no seu prato todos os dias.
O mercado faz o meu prato todos os dias
A propaganda é uma das principais formas de se divulgar produtos.
Seu papel é tornar o produto anunciado algo mais desejado e necessário.
Muitas vezes, para conseguir esse resultado, a propaganda tenta passar a
ideia de sucesso e modernidade ao produto que está sendo divulgado. No
entanto, a rapidez com que novos produtos são criados e colocados no
mercado os transforma em algo que parece descartável, antigo e que não
serve mais. Isto acontece porque outros produtos são criados para
substituir aqueles anteriormente divulgados, o que resulta em um grande
ciclo de consumo (da cartilha “Alimentação saudável: fique esperto”, da
Anvisa).
Então, é preciso ficar atento: inovação tecnológica não
necessariamente está vinculada a melhorias das condições de vida da
população ou do ambiente, em especial, como é o caso da origem da nossa
alimentação e da degradação ambiental. É preciso que a sociedade
compreenda melhor o ambiente em que são produzidos alimentos que come
diariamente. Entre as culturas com maior avanço tecnológico é que se dá a
maior indução de consumo de agrotóxicos como a soja, o milho, a cana, o
algodão e os citros, que concentram 87% do volume total comercializado.
Dentre esses, a soja consome sozinha 58% do volume total de
agrotóxicos, seguida pelo milho (18%), cana (9%), algodão (8%) e citros
(7%). Se levarmos em consideração a área plantada das culturas, para a
soja são utilizados 0,5 litro de agrotóxicos por hectare. Em
contrapartida, para as hortaliças, embora representem apenas 3% do
volume global de agrotóxicos utilizados no país, há utilização
concentrada de ingredientes ativos por área plantada que varia de 4 a 8
litros por hectare (Consea, 2010).
Mesmo com todo aparato tecnológico o agronegócio não responde ao
desafio de combater a fome de mais de um bilhão de pessoas famintas pelo
mundo (FAO, 2007), tendo constatado que o uso de agrotóxicos é
crescente, mas a produtividade das culturas não; e o conhecimento sobre
alimentação e nutrição está mais disponível e é acessado de forma mais
rápida, porém um número crescente de pessoas sofre de má-nutrição.
Portanto, está evidente que o modelo que se convencionou chamar de
Revolução Verde, ainda em implementação no Brasil, que promoveu uma
agricultura baseada em monocultura, utilização de fertilizantes
químicos, melhoramento de sementes, mecanização e irrigação, resultou na
alta concentração econômica e tecnológica e no mercado de insumos
agrícolas. Esse sistema está levando, em curto período de tempo, a
produção de alimentos de países inteiros a depender de poucas empresas
donas das sementes, dos agrotóxicos e controlando o mercado de
distribuição e exigindo altas cobranças de royalties sobre a produção,
como vem ocorrendo com a Monsanto no Brasil.
Produção de base agroecológica: um apelo à Pesquisa Agropecuária
Um Estado moderno, que dispõe de inovação tecnológica de alto
padrão para produção de commodities, deve preocupar-se com a qualidade
da vida dos cidadãos, a começar pela disponibilidade de alimentação
básica de qualidade – elemento fundamental para garantia da saúde da
população, minimizando os custos com a saúde pública, em especial. Nesse
sentido, é preciso regular a atuação dos agentes privados na produção,
beneficiamento e comercialização de produtos alimentícios e exigir que
uma mudança do atual modelo hegemônico para uma produção de alimentos de
base agroecológica.
Também, é preciso exigir que as instituições estatais de ensino,
pesquisa e extensão promovam uma inversão da matriz produtiva, a fim de
garantir que conhecimentos, princípios e práticas promovam uma nova
matriz produtiva de base agroecológica, garantindo o Direito Humano a
Alimentação Adequada, como forma de promover a saúde em geral e para a
prevenção e o controle de doenças crônicas desenvolvidas pelo consumo de
alimentos contaminados por agrotóxicos.
Há experiências fantásticas de produção de base agroecológica por
todos os cantos do Brasil, especialmente, em estabelecimentos da
Agricultura Familiar. Da mesma forma, também, há muitas experiências de
produção em bases agroecológicas em andamento em Centros de Pesquisa
Agropecuária da Embrapa, que precisam ser divulgados. Portanto, tomando
por base os princípios orientadores do Projeto Alternativo de
Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (PADRSS), a CONTAG deve
questionar a falta de prioridade de trabalhos científicos oficiais
sistematizados pelas universidades e instituições de pesquisa
agropecuária sobre tecnologias voltadas para uma produção de base
agroecológica. À Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa),
às Empresas Estaduais de Pesquisa Agropecuária (OEPAS, às Universidades e
aos Institutos Federais, deve propor mudanças radicais na lógica da
implementação da pesquisa agropecuária, até agora, conduzidas sob
estratégias claramente distante do contexto da agricultura familiar e de
uma produção sustentável.
|