"Como seriam venturosos os agricultores, se conhecessem / os seus bens!"

"A agricultura é a arte de saber esperar."Douglas Alves Bento

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Agricultura Familiar, Tecnologia e Alimentação

 
FOTO: Divulgação

Dentre os grandes desafios atuais da aceleradíssima transformação tecnológica por que passa a humanidade, envolvendo crianças, jovens e adultos, num frenético processo de experimentação e convivência com novidades tecnológicas que parecem sem limites, nos deparamos com um paradigma essencial: como ter vida longa e saudável? 
 
Em recente artigo publicado no Correio Brasiliense sobre 'demografia, tecnologia e o futuro do trabalho', de autoria do atual Presidente da Embrapa, Maurício Antônio Lopes, são reforçadas as previsões de que, até 2020, mais de 6 bilhões de pessoas estarão conectadas por telefones celulares e bilhões de máquinas com sensores estarão monitorando e controlando desde cortadores de grama até tratores e motores a jato. O texto destaca como preocupação central o futuro da agricultura e a produção de alimentos, citando o estudo Visão 2014-2034: o futuro do desenvolvimento tecnológico da agricultura brasileira, da Embrapa, apontando que o envelhecimento e a contínua migração para as cidades reduzem de forma drástica o número de trabalhadores no campo, concluindo que a automação, digitalização e processos de precisão se tornam essenciais neste setor vital para o futuro da humanidade, com ganhos de produtividade, qualidade, segurança dos produtos e redução do trabalho penoso e insalubre.
 
Em que pese as conclusões e projeções sobre o futuro da humanidade, é importante observar que as inovações tecnológicas, com todo avanço, estão à serviço da concentração de renda e benefícios para uma minoria, sendo este o seu principal objetivo. E, não é de se estranhar que há um censo comum de que as inovações tecnológicas devam estar à serviço da melhoria das condições de vida (...)’, ou, que ‘os centros urbanos estão se tornando verdadeiros laboratórios de inovação, reinventando nosso estilo de viver' (M. Lopes). No entanto, todas essas visões, também, são produtos das inovações tecnológicas, que tem na informação seu principal trunfo de convencimento.
 
Um exemplo prático dos resultados da mais elevada inovação tecnológica se dá na produção de commodities agrícolas, revelando um quadro que merece muita atenção: ‘cerca de 80% da produção mundial de soja, 70% da produção mundial de milho e 70% da produção mundial de aveia são destinadas ao consumo animal. No Brasil, cerca de 70% da soja produzida (incluindo a parte exportada) e 80% do milho cultivado (incluindo o que é exportado) é para ração animal. Além disso, grande parcela de outros alimentos altamente nutritivos também é usada para alimentar o gado, como a aveia, o arroz e o trigo’ (Onca - abril/2013). Reafirmando o dito anteriormente, não é por acaso que aqui se concentra a pesquisa agropecuária. Tudo combinado com as grandes redes de comunicação de massa que veiculam como estratégico para o Brasil os recordes de produção e exportação de grãos, confundindo a cabeça dos consumidores, que sequer tem noção de onde vem os produtos da alimentação que coloca no seu prato todos os dias.

O mercado faz o meu prato todos os dias
 
A propaganda é uma das principais formas de se divulgar produtos. Seu papel é tornar o produto anunciado algo mais desejado e necessário. Muitas vezes, para conseguir esse resultado, a propaganda tenta passar a ideia de sucesso e modernidade ao produto que está sendo divulgado. No entanto, a rapidez com que novos produtos são criados e colocados no mercado os transforma em algo que parece descartável, antigo e que não serve mais. Isto acontece porque outros produtos são criados para substituir aqueles anteriormente divulgados, o que resulta em um grande ciclo de consumo (da cartilha “Alimentação saudável: fique esperto”, da Anvisa).
 
Então, é preciso ficar atento: inovação tecnológica não necessariamente está vinculada a melhorias das condições de vida da população ou do ambiente, em especial, como é o caso da origem da nossa alimentação e da degradação ambiental. É preciso que a sociedade compreenda melhor o ambiente em que são produzidos alimentos que come diariamente. Entre as culturas com maior avanço tecnológico é que se dá a maior indução de consumo de agrotóxicos como a soja, o milho, a cana, o algodão e os citros, que concentram 87% do volume total comercializado. Dentre esses, a soja consome sozinha 58% do volume total de agrotóxicos, seguida pelo milho (18%), cana (9%), algodão (8%) e citros (7%). Se levarmos em consideração a área plantada das culturas, para a soja são utilizados 0,5 litro de agrotóxicos por hectare. Em contrapartida, para as hortaliças, embora representem apenas 3% do volume global de agrotóxicos utilizados no país, há utilização concentrada de ingredientes ativos por área plantada que varia de 4 a 8 litros por hectare (Consea, 2010).
 
Mesmo com todo aparato tecnológico o agronegócio não responde ao desafio de combater a fome de mais de um bilhão de pessoas famintas pelo mundo (FAO, 2007), tendo constatado que o uso de agrotóxicos é crescente, mas a produtividade das culturas não; e o conhecimento sobre alimentação e nutrição está mais disponível e é acessado de forma mais rápida, porém um número crescente de pessoas sofre de má-nutrição.
 
Portanto, está evidente que o modelo que se convencionou chamar de Revolução Verde, ainda em implementação no Brasil, que promoveu uma agricultura baseada em monocultura, utilização de fertilizantes químicos, melhoramento de sementes, mecanização e irrigação, resultou na alta concentração econômica e tecnológica e no mercado de insumos agrícolas. Esse sistema está levando, em curto período de tempo, a produção de alimentos de países inteiros a depender de poucas empresas donas das sementes, dos agrotóxicos e controlando o mercado de distribuição e exigindo altas cobranças de royalties sobre a produção, como vem ocorrendo com a Monsanto no Brasil.
 
Produção de base agroecológica: um apelo à Pesquisa Agropecuária
 
Um Estado moderno, que dispõe de inovação tecnológica de alto padrão para produção de commodities, deve preocupar-se com a qualidade da vida dos cidadãos, a começar pela disponibilidade de alimentação básica de qualidade – elemento fundamental para garantia da saúde da população, minimizando os custos com a saúde pública, em especial. Nesse sentido, é preciso regular a atuação dos agentes privados na produção, beneficiamento e comercialização de produtos alimentícios e exigir que uma mudança do atual modelo hegemônico para uma produção de alimentos de base agroecológica.
 
Também, é preciso exigir que as instituições estatais de ensino, pesquisa e extensão promovam uma inversão da matriz produtiva, a fim de garantir que conhecimentos, princípios e práticas promovam uma nova matriz produtiva de base agroecológica, garantindo o Direito Humano a Alimentação Adequada, como forma de promover a saúde em geral e para a prevenção e o controle de doenças crônicas desenvolvidas pelo consumo de alimentos contaminados por agrotóxicos.
 
Há experiências fantásticas de produção de base agroecológica por todos os cantos do Brasil, especialmente, em estabelecimentos da Agricultura Familiar. Da mesma forma, também, há muitas experiências de produção em bases agroecológicas em andamento em Centros de Pesquisa Agropecuária da Embrapa, que precisam ser divulgados. Portanto, tomando por base os princípios orientadores do Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (PADRSS), a CONTAG deve questionar a falta de prioridade de trabalhos científicos oficiais sistematizados pelas universidades e instituições de pesquisa agropecuária sobre tecnologias voltadas para uma produção de base agroecológica. À Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), às Empresas Estaduais de Pesquisa Agropecuária (OEPAS, às Universidades e aos Institutos Federais, deve propor mudanças radicais na lógica da implementação da pesquisa agropecuária, até agora, conduzidas sob estratégias claramente distante do contexto da agricultura familiar e de uma produção sustentável.
 
 
FONTE: Assessoria de Política Agrícola da CONTAG - Paulo de Oliveira Poleze

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